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Bacabal,13/10/2025

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Raimundo Sirino

O império da soja: como o Brasil se tornou o maior exportador de grãos do planeta

Da chegada tímida no início do século XX ao protagonismo global, a soja transformou o agronegócio brasileiro, moldando economias regionais, desafiando o meio ambiente e definindo o futuro da segurança alimentar mundial.

: Imagem gerada pelo autor, utilizando-se de IA – Google Gemini (2025)
O império da soja: como o Brasil se tornou o maior exportador de grãos do planeta

A semente de uma revolução

Poucas culturas no Brasil representam tão bem as contradições, os desafios e as oportunidades do agronegócio como a soja. De um grão exótico plantado timidamente no Sul do país, passou a alimentar rebanhos, abastecer indústrias, mover exportações bilionárias e ditar políticas públicas. Hoje, ela é um dos pilares da economia brasileira: importa praticamente tudo para crescer (insumos, logística, pesquisa), mas é também um dos produtos mais exportados. Sua força econômica convive com debates ambientais, tensões sociais, pressões globais por sustentabilidade.

Este artigo traça a trajetória da soja no Brasil: suas origens e transformações; sua ascensão como commodity global; seus impactos socioambientais e os rumos que apontam para o futuro. Ao longo das páginas, estarão os dados, os rostos, os dilemas, com múltiplas vozes para nos guiar.

Raízes: a origem da soja no Brasil

Chegada e primeiros plantios

A soja é uma planta originária da Ásia, cultivada há milênios na China, Coreia e Japão. No Brasil, os primeiros plantios comerciais datam de cerca de 1924, no Rio Grande do Sul. Inicialmente, porém, a soja foi uma cultura marginal: adaptada apenas em regiões de clima mais ameno, sem muita tecnologia ou escala, usada basicamente para alimentação local, encaixe na pecuária, melhoramento de solos (fixação de nitrogênio), e para produção de sementes.

Pesquisa, adaptação, Embrapa e o Cerrado

Nas décadas de 1960–70 surgiram os grandes marcos que colocariam a soja no mapa nacional:

Instituições como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), universidades estaduais e federais trabalharam em melhoramento de sementes adaptadas aos solos ácidos e aos regimes de chuva do interior.

Em 1973, com a criação da Embrapa e seus programas para o Cerrado, foi possível desenvolver tecnologias de correção de solo (calagem, fósforo), híbridos adaptados, práticas de conservação para tornar viável o cultivo em larga escala fora da Região Sul.

O uso de máquinas modernas, sistemas de plantio direto, irrigação (em algumas regiões) e maior mecanização impulsionou produtividade: a cultura deixou de depender apenas de condições favoráveis de clima e passou a ser uma fronteira tecnológica.

O resultado foi uma virada: regiões antes não consideradas aptas, como o Cerrado — e, mais tarde, o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia), se tornaram centrais para a produção nacional.

A revolução verde tropical

Experiência produtiva e expansão territorial

Com sementes cada vez mais adaptadas, com variedades resistentes à pragas, doenças e com ciclos de maturação específicos para diferentes zonas climáticas, os agricultores puderam expandir a produção geograficamente. O Cerrado, com seus solos arenosos ou argilosos, necessitou de correção de pH, de adubação pesada, de uso de fertilizantes (fósforo, potássio) e calcário; também teve que incorporar sistemas de irrigação ou ao menos gestão hídrica adequada em algumas regiões. A mecanização — tratores, colheitadeiras, semeadoras — se tornou padrão, bem como o uso de plantio direto para preservar solo e reduzir erosão.

Produtividade crescente

Não foi apenas expansão territorial: foi também salto de produtividade. A área plantada cresceu, mas os rendimentos por hectare também. Isso tornou o Brasil competitivo internacionalmente: grãos mais baratos, produção em escala, logística de transporte em constante desenvolvimento.

Políticas públicas e marco legal

O apoio estatal foi decisivo. Linhas de crédito rural, subsídios em insumos ou políticas de incentivo (a partir dos anos 70 e 80), pesquisas financiadas por órgãos públicos, extensão rural, fusões entre iniciativa privada e pública. O Código Florestal, adequações legais, concessões fiscais (em alguns casos), infraestrutura rodoviária, portuária começaram a acompanhar o crescimento.

O mapa da soja: de Sorriso a Balsas

Principais regiões produtoras

Sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Paraná): berço histórico da cultura, ainda relevante para produção de sementes, pesquisas iniciais, variedades.

Centro-Oeste, especialmente Mato Grosso: o estado mais emblemático. Mato Grosso responde por uma fatia gigante da exportação nacional: em 2024, cerca de 25,03% dos embarques de soja do Brasil vieram do estado, embora tenha sofrido com quebra de safra.

Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia): nova fronteira, onde a expansão recente tem ocorrido, levando tecnologia para regiões com solos que, embora promissores, demandam correções, adaptação e muitas vezes enfrentam desafios logísticos.

Logística e portos

A escalada da produção enfrentou um dos seus maiores obstáculos: transportar grãos de regiões remotas para portos de embarque. Estradas rurais, ferrovias e hidrovias frequentemente mostram gargalos, principalmente nos períodos chuvosos. Os portos do Arco Norte (norte e nordeste) têm assumido papel crescente, mais próximos de algumas regiões produtoras do Centro-Norte,  e oferecem rotas alternativas ao tradicional Sul (Santos, Paranaguá). Contudo, rios com níveis baixos, infraestrutura precária e congestionamentos são frequentes.

Impacto econômico regional

A soja não transformou apenas plantações: transformou cidades. Municípios inteiros cresceram com investimentos em armazenagem, silos, transporte, comércio, serviços. O agronegócio criou empregos diretos e indiretos, elevou o PIB de estados como Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul. Mas também pressionou custos de terras, insumos, mão de obra, mudou o perfil socioeconômico de comunidades rurais.

A soja na balança comercial

Volume, receita e destinos recentes

No ano 2024, as exportações de soja do Brasil chegaram a 98,81 milhões de toneladas, uma queda de cerca de 3% em comparação com o recorde de 2023.

A receita também recuou, em parte devido à queda nos preços internacionais.

A China permanece como principal destino: em 2024, cerca de 74% do volume exportado foi para o país asiático.

Outros mercados que vêm ganhando importância são Espanha, Turquia, Tailândia, principalmente para derivados ou para diversificar fornecedores.

Participação estadual

Mato Grosso domina o cenário exportador: exportou cerca de 24,74 milhões de toneladas em 2024, sendo responsável por cerca de 25,03% do total nacional. Goiás e Paraná aparecem em seguida no ranking, com participação relevante em volume e receita.

Exportação de derivados: farelo, óleo e biocombustíveis

Apesar do foco que se dá quase sempre ao grão em si, o Brasil também exporta óleo de soja, farelo de soja e produtos derivados. As exportações de farelo e óleo são importantes para atender demanda tanto interna (ração animal) quanto internacional, além de contribuir para agregar valor à cadeia produtiva. O setor do biodiesel também pode incorporar soja como matéria-prima.

Problemas recentes: quebra de safra e flutuações

A safra 2023/24 sofreu quebras em regiões-chave, o que diminuiu a oferta interna e afetou os embarques e a receita. Isso, combinado com oscilações cambiais e com preços internacionais, fez com que as exportações não mantivessem o ritmo de crescimento contínuo, embora a previsão para 2025/26 seja de recuperação, com estimativa de produção de 177,67 milhões de toneladas, frente aos 171,47 milhões do ciclo 2024/25.

o lado amargo: meio ambiente e pressões globais

Desmatamento, solo, biomas

A expansão da soja está frequentemente associada à conversão de biomas naturais, principalmente Cerrado, Mas também em bordas da Amazônia. Embora existam mecanismos como a moratória da soja, acordos com compradores internacionais e certificações que tentam evitar soja proveniente de áreas desmatadas, há críticas de que o monitoramento é falho, de que há desmatamento indireto (“deslocamento” de desmatamento para regiões menos vigiadas ou para outras culturas) e de que nem todos os elos da cadeia podem garantir rastreabilidade confiável.

Uso de agrotóxicos, água e poluição

A intensificação produtiva exige uso de defensivos agrícolas, fertilizantes, que, embora aumentem rendimento, carregam riscos: contaminação de águas superficiais e subterrâneas, poluição por nitratos, resíduos nos alimentos e impacto sobre saúde humana. Em regiões de monocultura ou expansão rápida, há relatos de impactos nos rios, biodiversidade e comunidades locais.

Pressões internacionais e barreiras verdes

Importadores exigem cada vez mais comprovação de produção sustentável. A União Europeia, por exemplo, tem regulamentos de impressão crescente em rastreabilidade, emissão de carbono, respeito a direitos ambientais e consentimento de comunidades tradicionais. O Brasil, para manter e ampliar seus mercados, precisa atender essas exigências. A reputação internacional se tornou ativo comercial. Qualquer escândalo ambiental ou desrespeito pode gerar boicotes, taxas ou restrições.

Conflitos sociais e direitos territoriais

Expansão agrícola frequentemente esbarra em disputas fundiárias, em conflitos entre produtores e povos indígenas ou comunidades tradicionais. Há tensões relativas ao uso da terra, à compensação ambiental, à demarcação de terras, às licenças.

Tecnologia, Biotecnologia e o futuro da soja

Agricultura de precisão e inovação

Softwares, satélites, drones, sensores de solo: ferramentas que permitem monitorar pragas, condições hídricas, nutrientes, tudo em tempo quase real. A adoção dessas tecnologias tende a pagar dividendos em produtividade, redução de desperdício e impacto ambiental.

Biotecnologia e melhoramento genético

Variedades resistentes a pragas e doenças, mais eficientes no uso de água, com menor exigência de insumos químicos ou tolerantes ao clima adverso. Sementes geneticamente modificadas já são usadas, e continuarão a evoluir. Pesquisa pública (Embrapa) + privadas devem seguir avançando.

Valor agregado e verticalização

Não basta exportar grãos: agregar valor é tendência. Aumenta a importância do processamento local (óleo, farelo, proteína animal), da produção de biocombustíveis, da indústria de alimentos à base de soja. Esses movimentos reduzem vulnerabilidades (como flutuação de preços internacionais de grãos crus) e aumentam os ganhos.

Cenários climáticos e sustentabilidade

Mudanças climáticas já afetam safras: secas, estiagens, chuvas fora de época, geadas isoladas. Adaptar-se será essencial. Produção de soja com menor pegada de carbono, integração lavoura-pecuária-floresta, recuperação de matas ciliares, reflorestamento, promover práticas regenerativas, tudo isso fará parte do cardápio necessário.


O grão que alimenta o mundo

A trajetória da soja brasileira é impressionante: em pouco mais de cem anos, o Brasil saiu de plantações experimentais no Sul para liderar o ranking global de produção e exportação. A soja é hoje um símbolo da capacidade de adaptação, de solos, de clima, de mercados, e também dos dilemas que acompanhariam qualquer ciclo de crescimento agrícola tão intenso.

Se há motivos para otimismo quanto à safra 2025/26, área semeada maior, produtividade em recuperação, demanda global em expansão, há também alertas que não podem ser ignorados: impacto ambiental, mudança climática, custos de produção e pressões externas por sustentabilidade. O futuro da soja no Brasil dependerá tanto do que se planta e de onde se planta quanto do modo como se planta.


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Raimundo Sirino Rodrigues Filho. Engenheiro Agrônomo, Pesquisador, Extensionista Rural e Professor Universitário. Graduado em Agronomia (UEMA); MSc. em Engenharia Agrícola – Irrigação e Drenagem (UFV) e DSc. em Agronomia – Solos e Nutrição de Plantas (UFPB).



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