Raimundo Sirino

Nos campos do futuro
Como os drones estão remodelando a paisagem agrícola global, da soja brasileira aos vinhedos franceses.

O céu sobre os campos agrícolas está a mudar. O rasto das aeronaves tripuladas, outrora símbolo de um modelo de produção intensiva, está a ser substituído pelo zumbido contido de veículos aéreos não tripulados, conhecidos como VANTs ou, na linguagem popular, drones. Estes pequenos aparelhos, operados por controlo remoto ou de forma autónoma, estão a redefinir a agricultura de precisão, oferecendo um novo olhar sobre as culturas e prometendo uma otimização sem precedentes. Longe de serem simples brinquedos tecnológicos, os VANTs tornaram-se ferramentas sofisticadas que combinam robótica, inteligência artificial e sensores de alta precisão para analisar, hectare por hectare, a saúde do solo e das plantas.
A ascensão desta tecnologia não é uniforme. A sua adoção e regulamentação variam drasticamente de um continente para outro, revelando diferentes filosofias sobre inovação, segurança e sustentabilidade. No Brasil, o desenvolvimento dos VANTs para uso civil na agricultura é uma história de vanguarda e pragmatismo. Na Europa, a abordagem tem sido mais cautelosa, focada na harmonização e na gestão de riscos. A França, em particular, ilustra o delicado equilíbrio entre a modernização agrícola e as preocupações ambientais. Esta reportagem explora as profundas transformações em curso nos campos do mundo, partindo da experiência pioneira do Brasil para analisar o cenário global e os desafios que se avizinham.
A Vanguarda Brasileira: uma revolução tecnológica no campo
O desenvolvimento de veículos aéreos não tripulados no Brasil seguiu um caminho distinto. Enquanto em muitos países, como os Estados Unidos e Israel, a tecnologia de VANTs emergiu predominantemente do setor militar, a história brasileira é marcada por uma aplicação civil precoce e focada na agricultura. Desde os anos 80, o Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA) desenvolveu o projeto militar ACAUÃ, que foi posteriormente desativado, mas o interesse civil persistiu com projetos como o HELIX. No entanto, o verdadeiro catalisador foi a pesquisa agrícola.
O projeto ARARA (Aeronave de Reconhecimento Assistida por Rádio e Autônoma), liderado pela Embrapa Instrumentação, foi um ponto de viragem. O objetivo não era a vigilância militar, mas a substituição de aeronaves convencionais na obtenção de fotografias aéreas para monitorização de áreas agrícolas e ambientais. A Embrapa, uma das instituições de pesquisa agrícola mais importantes do mundo, patenteou um VANT de asa fixa e dedicou-se a desenvolver uma plataforma capaz de operar nas "condições de campo adversas", com bom desempenho e baixo risco. Esta iniciativa pragmática foi inspirada, em parte, pelo sucesso do helicóptero não tripulado Yamaha RMax, no Japão, utilizado para pulverização de culturas de arroz, soja e trigo.
O foco no desenvolvimento para uso agrícola direto criou um ecossistema de inovação que se expandiu rapidamente. Empresas como a AGX Tecnologia, Flight Solutions, XMobots e Skydrones surgiram de iniciativas universitárias, transferindo conhecimento da academia para o mercado. A proliferação da tecnologia no país não se limitou a grandes empresas. A facilidade de acesso a componentes através da internet impulsionou um movimento de democratização, resultando em mais de 2000 sistemas montados e em operação de forma independente no Brasil. A adoção generalizada desta tecnologia, por parte de agricultores e pequenos empreendedores, pressionou os reguladores a reconhecer a importância e a dimensão do fenómeno, abrindo caminho para uma política pública mais favorável.
A ciência por trás do voo: os olhos no céu
A eficácia de um VANT na agricultura de precisão depende de uma sinergia entre a plataforma de voo e a sua instrumentação. Além da aeronave em si, o sistema aéreo não tripulado (SANT) inclui uma Estação de Controlo em Solo (GCS), que permite planear a missão, controlar o voo e receber dados em tempo real. Os sistemas de navegação, que combinam um GPS com uma Unidade de Navegação Inercial (IMU), são cruciais para garantir a precisão de voo autónomo.
A escolha do VANT ideal para uma missão agrícola é estratégica e depende da área, do tipo de cultura e dos objetivos. O Quadro 1 detalha as vantagens e desvantagens de diferentes tipos de VANTs, de acordo com o design de sua asa.
Quadro 1 - Vantagens e desvantagens de diferentes tipos de VANTs, confome o design de sua asa.
O verdadeiro poder dos VANTs na agricultura reside nos seus sensores, que funcionam como os olhos da missão. Estes sensores capturam dados que o olho humano não consegue perceber, baseados no princípio da espectroscopia de reflectância. A luz refletida pelas plantas, solos e água em diferentes comprimentos de onda do espetro eletromagnético revela a sua "assinatura espectral". Essa assinatura é um indicador direto das propriedades físicas e químicas do material, como o teor de água, a concentração de clorofila e outros pigmentos. O Quadro 2 descreve os principais tipos de sensores e as suas aplicações:
Quadro 2 – Sensores dos VANTs e suas aplicações
O trabalho de campo com VANTs segue uma série de etapas bem definidas: planear o voo, voar com sobreposição de imagens para garantir a cobertura, obter as imagens georreferenciadas, processá-las para criar um mosaico ortorretificado e, por fim, analisar os dados num Sistema de Informação Geográfica (GIS) para gerar mapas de aplicação e relatórios para a tomada de decisões.
Um Mosaico de Aplicações e Realidades Económicas
A adoção de drones na agricultura não é um fim em si mesma, mas uma ferramenta para alcançar a otimização de recursos e a sustentabilidade económica e ambiental. Os benefícios são tangíveis e imediatos. Os VANTs permitem uma economia substancial de tempo e dinheiro ao fornecer aos produtores rurais informações de alta qualidade e em tempo útil para a gestão das suas explorações. A aplicação precisa de insumos, como fertilizantes e pesticidas, guiada por mapas de saúde gerados por drones, evita o desperdício, reduz custos e, ao mesmo tempo, melhora a eficácia do tratamento.
A capacidade dos drones de pulverizar de forma direcionada tem um impacto direto na sustentabilidade. Em locais como a Turquia, o uso de drones DJI Agras permitiu uma economia de até 95% de água e uma redução no uso de produtos químicos, beneficiando os agricultores em períodos de seca. A monitorização precisa da saúde das plantas permite ainda o controlo efetivo de doenças, protegendo as culturas e aumentando a produtividade e a qualidade dos alimentos.
A tecnologia dos drones também contribui para a preservação ambiental, permitindo o monitoramento de Áreas de Preservação Permanente (APPs), garantindo o cumprimento das leis ambientais. No entanto, a operação de VANTs no campo não é isenta de desafios. O processamento de dados hiperespectrais, em particular, requer algoritmos complexos e ainda não está acessível ao utilizador comum. Além disso, apesar dos avanços, a tecnologia ainda é relativamente nova para o ambiente agrícola. Falhas de operação e manutenção continuam a ser as principais causas de acidentes, o que exige um cuidado e uma aprendizagem contínua por parte dos operadores.
O Labirinto Regulatório: Um Contraste entre Continentes
Na Europa, a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA) estabeleceu um quadro regulamentar harmonizado para todos os estados-membros, aplicável desde 2020. As operações com drones são classificadas em três categorias baseadas no risco: a categoria Open (risco baixo), Specific (risco médio) e Certified (risco alto). As regras, que substituíram as leis nacionais, exigem que os operadores registem-se (se os drones tiverem mais de 250 g ou estiverem equipados com câmara) e que os pilotos remotos obtenham certificações adequadas.
A França, membro da União Europeia, oferece um estudo de caso notável. Após uma proibição de pulverização aérea de pesticidas em todo o continente, em vigor desde 2009, o parlamento francês aprovou uma nova lei em 2025 que permite a aplicação de produtos fitofarmacêuticos por drones em circunstâncias muito específicas e limitadas. A autorização aplica-se apenas a áreas de difícil acesso, como vinhedos em encostas com inclinações superiores a 20% e plantações de banana nas Caraíbas. A legislação restringe o uso a agentes de biocontrole e pesticidas classificados como de "baixo risco", alinhando a modernização agrícola com um compromisso ambiental. Esta abordagem cirúrgica ilustra uma tentativa de equilibrar a segurança do trabalhador, a eficiência agrícola e a proteção ambiental. O Quadro 3 resume o panorama regulatório de ambas as regiões, destacando as suas diferenças e semelhanças.
Quadro 3 – Panorama regulatório do uso dos VANTs em diferentes regiões.
A Promessa e os Interrogantes: Sustentabilidade, Segurança e o Futuro
Os drones representam uma promessa de uma agricultura mais inteligente e sustentável, onde cada gota de água, cada grama de fertilizante e cada miligrama de defensivo químico são utilizados com a máxima eficiência. A tecnologia de precisão que proporcionam tem o potencial de aumentar a produtividade e a qualidade dos alimentos, ao mesmo tempo que reduz o impacto ambiental.
No entanto, a revolução dos drones ainda está na sua "fase embrionária", como afirmam os pesquisadores da Embrapa. Os riscos apontados pela comunidade científica incluem a possibilidade de "deslocamento de mão-de-obra, desigualdade de género e deriva química". A segurança das operações é uma preocupação contínua, com a Embrapa a notar que a falta de manutenção e as falhas operacionais são as principais causas de acidentes. A tecnologia, por mais sofisticada que seja, exige procedimentos rigorosos e um nível de cuidado que a distingue da operação de máquinas agrícolas tradicionais.
A trajetória dos VANTs, do laboratório à lavoura, é um reflexo das prioridades e dos desafios de cada país. O pragmatismo brasileiro abriu caminho para uma rápida adoção, impulsionada pelo mercado. A cautela europeia, com a sua abordagem de harmonização e flexibilidade controlada, demonstra um foco na integração segura e sustentável da tecnologia. O futuro da agricultura de precisão com drones dependerá não apenas da evolução dos sistemas, mas da forma como a sociedade, os reguladores e os agricultores se adaptarem a uma paisagem cada vez mais moldada pela tecnologia. A promessa de uma produção otimizada e mais ecológica paira no ar, aguardando que o equilíbrio entre inovação e segurança seja plenamente alcançado.
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Raimundo Sirino Rodrigues Filho. Engenheiro Agrônomo, Pesquisador, Extensionista Rural e Professor Universitário. Graduado em Agronomia (UEMA); MSc. em Engenharia Agrícola – Irrigação e Drenagem (UFV) e DSc. em Agronomia – Solos e Nutrição de Plantas (UFPB).
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