Raimundo Sirino

O som da resistência: a vida e a luta das quebradeiras de coco babaçu no Maranhão

O barulho que ecoa no babaçual
O som metálico da talhadeira bate no coco seco, ritmado como um tambor que marca a vida no interior do Maranhão. É cedo, o sol ainda sobe tímido, mas Maria da Conceição, 54 anos, já está de joelhos no chão batido, cercada de cascas abertas. Ela quebra coco desde os 12 anos. “É o que aprendi com minha mãe. E é o que sustenta minha família até hoje”, diz, ajeitando o lenço que segura o suor na testa.
O babaçu, para ela e milhares de outras mulheres, é mais que trabalho: é identidade, resistência e memória.
Tradição enraizada na história
O babaçu é uma palmeira nativa que atravessa séculos na paisagem maranhense. Desde tempos coloniais, as comunidades rurais aprenderam a aproveitar cada parte do fruto: óleo das amêndoas, carvão do endocarpo, farinha do mesocarpo e até o epicarpo para artesanato.
A figura das quebradeiras de coco surgiu como força de trabalho e, mais tarde, como símbolo de luta social. Nos anos 1980, elas se organizaram em movimentos para defender o acesso livre aos babaçuais — enfrentando cercas, tratores e ameaças.
Um dia de trabalho no babaçual
O processo é simples, mas exige força, técnica e paciência. Primeiro, o coco é coletado no chão, muitas vezes carregado em cestos pesados. Depois, a quebradeira senta-se com um pedaço de pau de apoio e, com a talhadeira, abre o fruto para retirar as amêndoas.
“Se tiver bom, num dia a gente quebra uns 200 cocos. Mas tem dia que não dá nem a metade”, conta Rita de Jesus, 38 anos, que trabalha com as duas filhas adolescentes. As jornadas começam antes do sol alto e podem se estender até o entardecer.
O peso econômico do babaçu
O Maranhão concentra mais de 60% das áreas de ocorrência natural do babaçu no Brasil. Segundo dados da Embrapa (2024), a produção anual de amêndoas gira em torno de 120 mil toneladas.
Mesmo assim, o valor pago às quebradeiras é baixo. Em 2025, o quilo da amêndoa seca é negociado entre R$ 3,00 e R$ 4,50, dependendo da região e da época do ano. Muitas famílias dependem de atravessadores, o que reduz ainda mais o ganho direto.
A luta pela terra e pelo acesso
Nos últimos 20 anos, o avanço de monoculturas como soja e eucalipto, além da expansão da pecuária, levou à derrubada de milhares de palmeiras. Em outros casos, fazendeiros cercaram áreas com babaçu, impedindo a entrada das quebradeiras.
A Lei do Babaçu Livre, aprovada em alguns municípios e no estado, garante o direito de acesso, mas sua aplicação enfrenta resistência. “Muita gente sabe da lei, mas, na prática, se a gente entrar, pode ser ameaçada”, afirma Maria da Conceição.
Um aliado da natureza
O babaçu não é apenas fonte de renda: ele protege o solo contra erosão, ajuda na manutenção de nascentes e serve de abrigo para aves e pequenos mamíferos. Sua presença é fundamental para a biodiversidade no ecótono entre Amazônia e Cerrado.
Especialistas alertam que a derrubada dos babaçuais compromete não só o sustento das quebradeiras, mas também a resiliência ambiental da região.
Novos mercados, velhos saberes
Nos últimos anos, cooperativas como a Copalivre e a AmorBabaçu vêm ampliando o alcance do produto. O óleo de babaçu passou a abastecer indústrias de cosméticos, enquanto a farinha e o carvão vegetal ganham espaço em mercados orgânicos e gourmet.
Essas iniciativas garantem preços melhores, mas ainda não alcançam todas as comunidades. “A gente precisa de mais apoio para vender direto, sem atravessador”, reforça Rita.
Mulheres que movem o babaçu
A atividade, quase exclusivamente feminina, representa um poderoso instrumento de empoderamento. O movimento interestadual das quebradeiras já conquistou políticas públicas, como acesso a crédito e programas de compra institucional.
“A gente não quer favor, quer trabalhar e ser respeitada”, diz Dona Benedita, liderança comunitária que organiza mutirões para replantar palmeiras.
O dia que nunca acaba
O sol se põe e o babaçual mergulha na penumbra. Maria recolhe as últimas amêndoas e ajeita o saco no ombro. Amanhã, antes do dia clarear, ela estará ali novamente. “O babaçu é vida. Enquanto tiver, eu tô aqui”, diz, com a voz firme de quem sabe que cada talhada é também um ato de resistência.
Créditos das fotos: https://jovensemcomunicacao.wordpress.com/ (2015); Imagem gerada por IA pelo autor
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Raimundo Sirino Rodrigues Filho. Engenheiro Agrônomo, Pesquisador, Extensionista Rural e Professor Universitário. Graduado em Agronomia (UEMA); MSc. em Engenharia Agrícola – Irrigação e Drenagem (UFV) e DSc. em Agronomia – Solos e Nutrição de Plantas (UFPB).
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