Raimundo Sirino

O legado e os desafios do World Food Prize
Criado como o Prêmio Nobel da Alimentação, o World Food Prize reconhece soluções inovadoras para a segurança alimentar global. Em tempos de mudanças climáticas e conflitos, seu papel é mais vital do que nunca.

O desafio de alimentar o mundo
Quando Norman Borlaug, Nobel da Paz em 1970 e arquiteto da Revolução Verde, idealizou um prêmio para honrar conquistas na alimentação mundial, o objetivo era claro: valorizar a ciência e a inovação como chaves para erradicar a fome. Décadas depois, o World Food Prize continua sendo um símbolo de esperança. Em um mundo onde mais de 735 milhões ainda convivem com a fome, como aponta a FAO (2024), a premiação destaca-se como tribuna para os que enfrentam esse desafio com ciência, governança e ação comunitária.
A recente vitória da brasileira Mariângela Hungria, premiada em 2024 pelo trabalho com bactérias que fertilizam naturalmente o solo, trouxe o Brasil novamente ao centro do debate internacional sobre agricultura sustentável. Sua conquista reacendeu o interesse público pela premiação e motivou a produção deste artigo.
Origem e impacto global
Fundado em 1986, o World Food Prize é sediado em Des Moines, Iowa, e tem como missão premiar aqueles que promovem melhorias significativas na qualidade, quantidade ou disponibilidade de alimentos. Inspirado no Prêmio Nobel, o World Food Prize se diferencia por reconhecer ações práticas em ciência agrícola, política alimentar e inovação social.
A cada outubro, o simpósio “Borlaug Dialogue” reúne líderes globais, cientistas e jovens inovadores para discutir desafios do sistema alimentar mundial — entre eles, mudanças climáticas, conflitos, desigualdades e avanços tecnológicos.
Vencedores que mudaram realidades
Entre os laureados, nomes como o indiano Sanjaya Rajaram (2014), que desenvolveu mais de 480 variedades de trigo, e Akinwumi Adesina (2017), que ampliou o acesso de agricultores africanos a crédito, ilustram o impacto do prêmio. Em 2020, Rattan Lal foi reconhecido por usar o solo como ferramenta para sequestro de carbono, mostrando a interface entre agricultura e clima.
O Brasil tem protagonismo na história do prêmio: além de Hungria (foto), foram homenageados Eliseu Alves (2013) e Alysson Paulinelli (2006). Paulinelli foi reconhecido por sua atuação como formulador de políticas públicas voltadas à modernização da agricultura tropical brasileira, especialmente por seu papel na criação da Embrapa. Já Eliseu Alves, também ligado à Embrapa, foi premiado por sua liderança pioneira na institucionalização da pesquisa agropecuária no Brasil, contribuindo para transformar o país em um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
Entre elogios e controvérsias
Apesar do prestígio, o prêmio é alvo de críticas. Acadêmicos e ativistas apontam um viés tecnicista e uma preferência por soluções de larga escala, deixando de fora experiências agroecológicas, saberes indígenas e iniciativas feministas rurais. A presença de patrocinadores como Monsanto e Bayer também levanta dúvidas sobre a neutralidade da premiação.
Os organizadores, por sua vez, defendem a diversidade crescente dos premiados e destacam o papel da ciência como eixo central da transformação agrícola. Em um mundo plural, a coexistência de abordagens distintas pode ser o caminho para garantir o direito à alimentação.
Inovar para resistir
Em tempos de pandemia, conflitos e catástrofes climáticas, o World Food Prize ganha relevância geopolítica. A guerra na Ucrânia, por exemplo, expôs a vulnerabilidade da segurança alimentar global, dada a dependência de cereais e fertilizantes produzidos por Rússia e Ucrânia.
Nesse cenário, inovações como agricultura regenerativa, irrigação inteligente, controle biológico e rastreabilidade via blockchain surgem como promissoras. Jovens cientistas, especialmente do Sul global, vêm liderando startups com propostas sustentáveis. Em 2022 e 2023, o prêmio passou a reconhecer projetos comunitários e mulheres protagonistas, como Charity Mutegi, homenageada por seu combate às micotoxinas na África.
A expectativa de uma população global de 10 bilhões até 2050 exige soluções integradas, sensíveis à diversidade cultural e ambiental, capazes de produzir mais com menos impacto.
Uma semente de esperança
Mais do que um troféu, o World Food Prize simboliza a convicção de que o conhecimento humano pode — e deve — ser mobilizado contra a fome. Ele nos lembra que o problema alimentar é menos sobre escassez e mais sobre desigualdade e desgoverno.
Premiar os que ousam transformar esse cenário é essencial para inspirar novas gerações. Enquanto houver quem inove por um mundo sem fome, o legado de Norman Borlaug continuará germinando como uma semente de esperança no solo da humanidade.
Crédito da foto: https//www.gov.br/
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Raimundo Sirino Rodrigues Filho. Engenheiro Agrônomo, Pesquisador, Extensionista Rural e Professor Universitário. Graduado em Agronomia (UEMA); MSc. em Engenharia Agrícola – Irrigação e Drenagem (UFV) e DSc. em Agronomia – Solos e Nutrição de Plantas (UFPB).
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