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Bacabal,21/05/2025

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Raimundo Sirino

Pecuária de precisão: como a Edição Genômica está revolucionando a criação de gado no Brasil

Imagem gerada com o uso de Inteligência Artificial
Pecuária de precisão: como a Edição Genômica está revolucionando a criação de gado no Brasil

No coração do Brasil rural, onde o pasto se estende até onde a vista alcança e o gado compõe a paisagem com a mesma naturalidade das árvores retorcidas do cerrado, uma revolução silenciosa está em curso. Não se trata de tratores mais potentes ou de rações importadas. É algo muito mais sutil — e, ao mesmo tempo, muito mais poderoso. Estamos falando da ciência que invade os campos, microscópica e certeira, para mudar definitivamente o que se entende por pecuária no país.

À primeira vista, as fazendas parecem as mesmas. O vaqueiro segue com o gado, o sol castiga o dorso da terra, e o ritmo da lida continua ditado pelas estações. Mas, por trás dessa rotina milenar, hoje existem laboratórios, softwares e pesquisadores que cruzam fronteiras genéticas com uma precisão jamais vista. A edição genômica, ferramenta até pouco tempo restrita aos centros de pesquisa mais avançados do mundo, agora está nas mãos de quem cria, alimenta e sustenta grande parte da economia brasileira.

Graças a ela, o gado começa a nascer mais resistente a doenças, com maior eficiência alimentar e até mesmo com características pensadas para reduzir impactos ambientais. É uma mudança que vai além dos lucros e das estatísticas. Trata-se de uma nova forma de produzir — mais inteligente, mais ética e mais alinhada com as exigências do século XXI. A pecuária de precisão não é apenas um avanço técnico: é um salto civilizatório para o agronegócio nacional.

Neste cenário, a pergunta que se impõe não é mais “se” a edição genômica vai transformar a pecuária brasileira, mas “como” ela já está fazendo isso. Este artigo mergulha nessa realidade ainda pouco conhecida fora do campo, mas que promete influenciar profundamente não apenas a economia, mas também o prato do consumidor e o futuro do planeta.

Pecuária de precisão

A chamada pecuária de precisão é um conceito que vem ganhando espaço em meio às transformações profundas do agronegócio moderno. Trata-se de um modelo de produção que utiliza ferramentas tecnológicas para monitorar, analisar e intervir em cada detalhe da criação animal — desde o nascimento até o abate. Sensores, algoritmos, drones e softwares de gestão já fazem parte da rotina em algumas fazendas-modelo. Mas, mais recentemente, uma nova fronteira foi cruzada: a da própria genética dos animais. É aí que entra a edição genômica, uma técnica capaz de promover mudanças diretamente no DNA bovino, de forma rápida, precisa e segura.

Diferente do melhoramento genético tradicional — que depende de cruzamentos sucessivos ao longo de várias gerações —, a edição genômica permite selecionar ou modificar genes específicos com objetivo de acentuar características desejáveis. Resistência a doenças, maior ganho de peso, melhor qualidade do leite ou da carne, e até mesmo a redução de impactos ambientais estão entre os benefícios já observados. Com isso, o produtor passa a ter controle sobre fatores antes imprevisíveis, otimizando recursos, reduzindo perdas e ampliando a competitividade no mercado global.

A chegada dessa tecnologia representa uma mudança de paradigma na produção pecuária. Mais do que alimentar o país, o Brasil pode agora liderar uma nova era da criação de gado, onde a ciência caminha lado a lado com a tradição. A edição genômica, inserida nesse contexto de precisão, surge não como substituta do conhecimento do campo, mas como aliada poderosa, oferecendo soluções para desafios antigos com ferramentas do futuro. É o casamento entre o saber popular e a biotecnologia, forjando uma pecuária mais eficiente, sustentável e estratégica para o século XXI.


O Brasil no centro da inovação

Com o segundo maior rebanho bovino do mundo e a liderança nas exportações de carne, o Brasil sempre foi um protagonista no cenário da agropecuária global. Mas agora, o país começa a trilhar um novo caminho: o da inovação científica aplicada diretamente ao campo. Nos últimos anos, universidades, centros de pesquisa e startups brasileiras vêm se destacando no desenvolvimento e aplicação de tecnologias de edição genômica, colocando o Brasil entre os líderes de uma verdadeira revolução silenciosa no setor.

Instituições como a Embrapa, referência mundial em pesquisa agropecuária, estão na linha de frente dessa transformação. Em parceria com universidades federais e empresas de biotecnologia, cientistas brasileiros trabalham no mapeamento genético de raças nativas e comerciais, identificando genes associados a características desejáveis como rusticidade, produtividade e resistência a doenças tropicais. A partir dessas descobertas, torna-se possível aplicar a edição genômica de forma estratégica e personalizada, adaptando as inovações às realidades climáticas e produtivas do território nacional.

O avanço também é impulsionado pela iniciativa privada, com empresas especializadas em biotecnologia rural oferecendo serviços de análise genômica e edição genética diretamente aos pecuaristas. Algumas startups brasileiras, inclusive, já começam a exportar suas soluções para países da América Latina e da África, mostrando que a expertise nacional ultrapassa fronteiras. A adoção dessas ferramentas tem sido mais rápida do que se imaginava, especialmente entre médios e grandes produtores que buscam eficiência, rastreabilidade e competitividade internacional.

Em pleno cerrado goiano ou nas pastagens amplas do Mato Grosso, a cena que se desenha é simbólica: ao lado do curral, um laboratório. No computador, o genoma de um bezerro é analisado como se fosse um mapa detalhado de possibilidades. O campo brasileiro está se tornando digital e biotecnológico, sem perder sua essência. E mais do que acompanhar o futuro, o país começa a moldá-lo — com ciência, coragem e a certeza de que o gado de amanhã já está sendo desenhado hoje, gene por gene, nas mãos de quem entende o valor da inovação.

A ciência na prática: como funciona a Edição Genômica 

A edição genômica funciona como uma espécie de “cirurgia de precisão” no DNA. Entre as técnicas mais conhecidas está o CRISPR-Cas9, uma ferramenta capaz de localizar um ponto específico do material genético e, com extrema exatidão, fazer cortes, inserir ou silenciar genes. O processo é rápido, relativamente barato e muito mais direto do que os métodos tradicionais de cruzamento, que dependem de tempo e sorte. No caso da pecuária, isso significa, por exemplo, retirar a vulnerabilidade de um animal a uma doença ou potencializar características como a conversão alimentar — a capacidade de transformar ração em carne ou leite de forma mais eficiente.

Na prática, a aplicação começa com o mapeamento genético do rebanho. Por meio da coleta de amostras — geralmente sangue, saliva ou pelos —, especialistas analisam o código genético dos animais e identificam os pontos que podem ser melhorados. Com base nessas informações, é possível intervir de forma direcionada, garantindo que os bezerros já nasçam com as características desejadas. Tudo isso sem introdução de genes de outras espécies, o que diferencia a edição genômica da transgenia, tornando o processo mais seguro e aceito internacionalmente.

Fazendas no interior de estados como São Paulo, Goiás e Mato Grosso já estão colhendo os primeiros frutos dessa tecnologia. Em um desses exemplos, um rebanho que passou pela edição genética demonstrou aumento de produtividade e redução no uso de antibióticos, graças à maior resistência natural dos animais. É a ciência rompendo os limites do laboratório e chegando ao campo com resultados concretos. E o mais impressionante: em vez de substituir o conhecimento do produtor, ela o potencializa, oferecendo um novo olhar sobre algo que sempre esteve ali — a essência biológica de cada animal.

Benefícios para o produtor e para o meio ambiente

A edição genômica tem se mostrado uma aliada poderosa não apenas para aumentar a produtividade, mas também para transformar a lógica econômica da pecuária. Ao selecionar animais com maior eficiência alimentar, por exemplo, o produtor consegue reduzir significativamente os custos com ração, um dos principais gastos da atividade. Animais que crescem mais rápido, adoecem menos e se adaptam melhor ao ambiente significam menor uso de medicamentos, menos perdas no rebanho e ciclos de produção mais curtos. O resultado é um rebanho mais rentável, previsível e competitivo — mesmo diante das exigências cada vez mais rigorosas dos mercados internacionais.

Outro ganho concreto está na sanidade animal. A seleção genética de indivíduos naturalmente resistentes a doenças reduz a necessidade de antibióticos, hormônios e vacinas em larga escala. Isso representa não só economia para o pecuarista, mas também maior segurança alimentar para o consumidor. Em um momento em que o mundo discute o uso excessivo de antimicrobianos e a ameaça da resistência bacteriana, a pecuária de precisão se apresenta como uma resposta responsável e eficiente.

Mas os benefícios vão além da porteira. Um dos maiores desafios da pecuária brasileira está em sua pegada ambiental, sobretudo na emissão de gases de efeito estufa, como o metano, liberado pelos bovinos durante a digestão. Com a edição genômica, pesquisadores já identificaram linhagens de animais que produzem menos metano sem comprometer o desempenho produtivo. Além disso, a melhoria na conversão alimentar reduz a necessidade de áreas de pastagem, colaborando com a preservação de biomas sensíveis e ajudando o país a cumprir metas climáticas.

Produtores que antes viam o meio ambiente como uma obrigação agora passam a enxergá-lo como um diferencial de mercado. Em depoimentos colhidos nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, pecuaristas relatam que, após adotarem práticas de precisão com suporte genético, viram seus negócios ganharem novos patamares — tanto em produtividade quanto em imagem. A ciência, antes distante do curral, agora faz parte do cotidiano, provando que é possível criar mais, gastar menos e, ainda assim, preservar melhor. Uma equação que parecia improvável, mas que hoje se revela não só viável, como essencial.

Dilemas éticos e desafios regulatórios 

Apesar de todo o potencial transformador, a edição genômica ainda enfrenta questionamentos éticos e regulatórios que desafiam sua implementação em larga escala. Afinal, até que ponto podemos — ou devemos — intervir no código genético de um animal? Essa pergunta mobiliza não apenas cientistas e legisladores, mas também consumidores, organizações ambientais e representantes de religiões e culturas diversas. O debate gira em torno da linha tênue entre avanço científico e o respeito à integridade biológica dos seres vivos, exigindo transparência, responsabilidade e um olhar atento para os limites morais dessa tecnologia.

No Brasil, o uso da edição genômica na agropecuária é regulamentado por órgãos como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que analisa os riscos e define os protocolos para o uso seguro dessas ferramentas. Diferente dos transgênicos, a edição genômica — especialmente quando não envolve a introdução de genes de outras espécies — tem encontrado um caminho mais célere e menos burocrático para aprovação. Ainda assim, há um vácuo regulatório em certos aspectos, especialmente no que diz respeito à rastreabilidade dos produtos e à rotulagem para o consumidor final. Em tempos de mercado globalizado, essas definições são essenciais para garantir confiança e competitividade.

Outro ponto sensível é o acesso à tecnologia. Hoje, são principalmente os grandes e médios produtores que conseguem investir em edição genômica, o que levanta preocupações sobre desigualdade tecnológica no campo. Como garantir que pequenos pecuaristas também se beneficiem dessa revolução? A resposta passa por políticas públicas, programas de incentivo e parcerias com instituições de pesquisa. Para que a inovação seja, de fato, transformadora, ela precisa ser inclusiva, ética e transparente — respeitando a vida, o ambiente e o direito de escolha de quem produz e de quem consome.

O futuro da carne brasileira

Com a edição genômica consolidando-se como uma aliada estratégica da pecuária de precisão, o Brasil se posiciona para liderar um novo capítulo na história da carne bovina mundial. O país, já reconhecido pela eficiência de sua produção e pela força de seu rebanho, agora se destaca por oferecer uma carne mais tecnológica, sustentável e rastreável. A carne do futuro — mais nutritiva, com menor impacto ambiental e produzida sob critérios científicos rigorosos — pode ter selo brasileiro. E mais do que atender às demandas do mercado, ela tem potencial para moldar os padrões internacionais.

Nos próximos anos, especialistas projetam um crescimento exponencial na adoção de tecnologias genômicas, impulsionado tanto pelo avanço científico quanto pela pressão de consumidores mais conscientes. Países importadores já começam a valorizar não apenas o sabor e a maciez da carne, mas também sua origem, sua pegada de carbono e os processos utilizados na criação dos animais. Nesse cenário, o Brasil tem a oportunidade de transformar a inovação em diplomacia comercial, agregando valor à sua carne e consolidando sua reputação como referência mundial em agropecuária sustentável.

Mas o futuro também exigirá responsabilidade. Investimentos em pesquisa, formação técnica de produtores e políticas públicas inclusivas serão fundamentais para que essa transformação não fique restrita a poucos. A carne brasileira do amanhã dependerá, em grande parte, das escolhas feitas hoje — na genética dos animais, na ética da produção e na forma como o país concilia tradição, tecnologia e compromisso com o planeta. Mais do que um produto de exportação, a carne passará a ser, também, um reflexo da inteligência e da consciência de um Brasil que soube inovar com raízes no chão e os olhos no futuro.

Concluímos que do campo à ciência, do passado à vanguarda, o Brasil caminha em silêncio, mas com firmeza, rumo a uma nova era da pecuária. O que antes era obra da natureza e da intuição dos criadores, agora se alia à precisão do laboratório e à inteligência dos dados. A edição genômica não é apenas uma ferramenta — é um símbolo de um tempo em que a tecnologia se dobra ao serviço da vida, da sustentabilidade e da dignidade no trabalho rural. E, nesse cenário, o produtor brasileiro deixa de ser apenas um agente da terra para tornar-se um protagonista da inovação.

Nas mãos calejadas do vaqueiro e nas telas iluminadas dos computadores nas fazendas-modelo, pulsa o mesmo sonho: produzir melhor, com mais respeito aos animais, à terra e ao consumidor. A pecuária de precisão, com a edição genômica em seu coração, mostra que é possível unir produtividade e ética, tradição e modernidade, campo e ciência. Cada bezerro que nasce carregando em seu DNA as marcas de um futuro mais eficiente e mais limpo é, também, um símbolo de esperança — a prova viva de que o progresso pode ser uma força de cuidado e não de destruição.

Enquanto o mundo observa, o Brasil planta agora as sementes de um novo tempo. E se a carne que sairá de nossos pastos amanhã for mais justa, mais consciente e mais humana, será porque hoje escolhemos olhar mais de perto, com precisão, para o que realmente importa: o futuro de quem alimenta o mundo.

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Raimundo Sirino Rodrigues Filho. Engenheiro Agrônomo, Pesquisador, Extensionista Rural e Professor Universitário. Graduado em Agronomia (UEMA); MSc. em Engenharia Agrícola – Irrigação e Drenagem (UFV) e DSc. em Agronomia – Solos e Nutrição de Plantas (UFPB).




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