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Bacabal,08/05/2025

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Raimundo Sirino

CRISPR no campo: o futuro da agricultura familiar está nos genes?

A edição genética chegou à porteira da agricultura moderna, mas será que os pequenos produtores estão colhendo os frutos dessa revolução? Um mergulho nas oportunidades e desigualdades que o CRISPR pode gerar no campo.


CRISPR no campo: o futuro da agricultura familiar está nos genes? Imagem gerada por IA

A nova Revolução Verde?

Uma nova revolução está se desenhando nos laboratórios de biotecnologia: o CRISPR , uma ferramenta de edição genética que promete transformar a agricultura como conhecemos. Capaz de alterar com precisão o DNA de plantas, essa tecnologia pode tornar cultivos mais resistentes a pragas, mais adaptados ao clima e mais produtivos. Mas, em um país onde a agricultura familiar responde por boa parte da produção de alimentos, surge a pergunta: os pequenos produtores também estão colhendo os frutos dessa inovação? Conversamos com cientistas, agricultores, cooperativas e especialistas para entender como essa semente tecnológica está (ou não) germinando no solo brasileiro.

REVOLUÇÃO VERDE

A Revolução Verde refere-se ao conjunto de inovações tecnológicas e práticas agrícolas que transformaram a produção de alimentos, especialmente nas décadas de 1960 a 1980. Este processo envolveu a adoção em larga escala de novas variedades de culturas de alto rendimento, uso intensivo de fertilizantes e defensivos químicos, e o aprimoramento das técnicas de irrigação.

CRISPR em Ação: do laboratório à lavoura

Uma revolução silenciosa está em curso no DNA das grandes lavouras, impulsionada pela tecnologia CRISPR, que permite a edição precisa de genes. Essa ferramenta inovadora possibilita "corrigir" genes indesejados ou inserir características vantajosas em plantas como milho, soja, arroz e tomate, incluindo resistência a pragas, tolerância à seca e aumento da produtividade, tudo isso sem a introdução de material genético externo..

Os resultados do CRISPR já são visíveis em grandes fazendas, especialmente nas vinculadas à agroindústria. No Centro-Oeste, sojicultores utilizam cultivares com genes editados para resistir a insetos, reduzindo o uso de defensivos químicos. Em áreas de arroz irrigado, genes para tolerância a solos salinos mostram ganhos promissores em produtividade, enquanto em tomates, variedades mais duráveis no transporte e prateleira representam um avanço logístico significativo.

No entanto, a aplicação do CRISPR é concentrada em grandes propriedades com estrutura técnica e financiamento. Empresas multinacionais e centros de pesquisa lideram a adaptação da biotecnologia, muitas vezes distante da realidade do agricultor familiar. A edição genética também molda as culturas para enfrentar as mudanças climáticas, desenvolvendo variedades resistentes ao calor e à escassez hídrica, visando manter a produtividade de forma sustentável.

Apesar do potencial do CRISPR, desafios como custo, patentes e falta de capacitação técnica impedem seu alcance na agricultura familiar. A inovação, que já é realidade agrícola, levanta a questão se será exclusiva ou se haverá uma revolução genômica mais democrática, definindo quem colherá os frutos da lavoura geneticamente editada.

Agricultura Familiar: onde estão os genes editados?

A tecnologia CRISPR, que revoluciona a grande agroindústria, ainda encontra um cenário bem diferente na agricultura familiar brasileira, responsável por 77% dos estabelecimentos rurais e significativa produção de alimentos básicos. A edição genética permanece distante da realidade desses agricultores, que frequentemente desconhecem a tecnologia e enfrentam desafios como falta de informação, acesso limitado a crédito e assistência técnica inadequada, dificultando a adoção de inovações. Essa disparidade tecnológica é agravada pela desinformação e receios culturais sobre biotecnologia, resultando em uma lacuna crescente entre a agricultura familiar e o avanço tecnológico no campo.

Apesar do panorama desafiador, existem iniciativas promissoras que indicam o potencial do CRISPR na agricultura familiar. Cooperativas agroecológicas e startups rurais, em parceria com universidades e projetos de extensão, exploram o uso ético da edição genética para desenvolver variedades adaptadas às necessidades dos pequenos produtores, como hortaliças resistentes a doenças.

No entanto, a implementação efetiva da tecnologia na prática agrícola familiar ainda é limitada, com muitos projetos em fase experimental e obstáculos legais e financeiros a serem superados. A dependência de patentes, a ausência de políticas públicas específicas e a escassez de sementes editadas voltadas para as culturas da agricultura familiar são entraves significativos. 

Para garantir que o CRISPR beneficie também os pequenos agricultores, especialistas defendem a importância de parcerias entre o setor público, universidades, cooperativas e organizações não-governamentais. Democratizar o acesso ao conhecimento genético e às ferramentas de edição é essencial para promover a inclusão tecnológica no campo.

Barreiras Invisíveis: acesso, custo e conhecimento

A edição genética por CRISPR pode parecer uma solução simples no laboratório, mas no campo ela encontra obstáculos que não se veem a olho nu. Para além das limitações financeiras, as barreiras que impedem o acesso da agricultura familiar a essa tecnologia estão profundamente enraizadas em questões de propriedade intelectual, infraestrutura e conhecimento técnico. Na prática, o CRISPR ainda é um privilégio de poucos.

Um dos principais entraves está nas patentes. Embora o CRISPR tenha sido inicialmente divulgado como uma ferramenta de código aberto, a maioria das aplicações comerciais em agricultura está protegida por registros de propriedade intelectual detidos por multinacionais ou instituições de ponta. Isso significa que qualquer produtor, seja grande ou pequeno, que queira usar uma semente editada com CRISPR precisa pagar pelo direito de utilizá-la — um custo inviável para boa parte das famílias rurais brasileiras.

Além disso, a infraestrutura necessária para desenvolver, testar e aplicar a edição genética está concentrada em centros de pesquisa e universidades, muitas vezes distantes das regiões onde se pratica a agricultura familiar. Faltam laboratórios regionais, técnicos capacitados e redes de apoio que conectem o pequeno produtor ao universo da biotecnologia. Nesse cenário, o conhecimento circula em bolhas acadêmicas e corporativas, longe da roça.

Diante dessa exclusão tecnológica, instituições públicas como as universidades federais, a Embrapa e até ONGs voltadas para o desenvolvimento rural começam a assumir um papel fundamental. Algumas delas atuam como pontes entre a ciência e o campo, promovendo formações, criando hubs de inovação e defendendo o acesso público à biotecnologia. Mas esses esforços ainda são pontuais, e carecem de investimento contínuo e políticas de Estado que garantam escala e continuidade.

Outra barreira, muitas vezes ignorada, é a cultural. O histórico de rejeição aos transgênicos ainda pesa na percepção pública, mesmo que o CRISPR seja tecnicamente diferente. Entre os agricultores, há desconfiança quanto à segurança, ao impacto ambiental e ao controle corporativo sobre as sementes. Sem uma comunicação clara e transparente, com linguagem acessível e diálogo horizontal, o potencial dessa tecnologia continuará sendo rejeitado ou, pior, ignorado.

No fim das contas, o que separa o CRISPR do pequeno agricultor não é só a distância entre o microscópio e a enxada — é um conjunto de barreiras invisíveis que vão do custo às crenças, da estrutura à informação. Se o país quiser realmente democratizar a inovação no campo, precisará enfrentar cada uma delas com seriedade, inclusão e visão de futuro.

O Que diz a Ciência? Promessas e Precauções

A ciência vê no CRISPR uma das ferramentas mais promissoras para a agricultura do futuro. Pesquisadores apontam que a tecnologia permite criar variedades mais produtivas, nutritivas e resistentes a estresses climáticos com agilidade e precisão sem precedentes. Diferente dos transgênicos tradicionais, a edição genética via CRISPR não necessariamente introduz genes de outras espécies, o que tem provocado um novo debate sobre sua aceitação e regulamentação. Para muitos cientistas, trata-se de uma oportunidade única de enfrentar os desafios da segurança alimentar global com mais sustentabilidade.

Contudo, junto com o entusiasmo, vem a cautela. Especialistas em biossegurança alertam que, embora a edição genética possa reduzir o uso de agrotóxicos e ampliar a produtividade, os impactos a longo prazo sobre o meio ambiente e sobre ecossistemas agrícolas ainda não são totalmente conhecidos. Há preocupações com possíveis efeitos não intencionais nas plantas e sobre a dependência tecnológica de sementes patenteadas. Além disso, a falta de um marco regulatório claro no Brasil para distinguir entre CRISPR e transgênicos tradicionais gera incertezas tanto para pesquisadores quanto para produtores.

Na percepção pública, a diferença entre um gene editado e um gene transgênico ainda é nebulosa. Enquanto países como Estados Unidos e Japão têm flexibilizado as normas para organismos editados por CRISPR, no Brasil o debate regulatório ainda caminha a passos lentos. A ciência avança, mas, para que os benefícios da edição genética cheguem ao campo com responsabilidade, será preciso construir não apenas sementes melhores, mas também confiança social, marcos legais sólidos e políticas de comunicação científica eficazes.

Caminhos Possíveis: inclusão genômica no campo

Enquanto a edição genética avança no agronegócio de grande escala, iniciativas em diferentes cantos do mundo começam a mostrar que o CRISPR também pode florescer entre os pequenos. Programas de código aberto, como os desenvolvidos por universidades e fundações internacionais, oferecem acesso gratuito a ferramentas e protocolos de edição genética. Parcerias público-privadas e hubs de inovação rural vêm conectando agricultores familiares a centros de pesquisa, rompendo o isolamento tecnológico e criando soluções adaptadas às culturas e realidades locais.

No Brasil, especialistas defendem que políticas públicas específicas são o adubo necessário para que essa semente vingue no campo familiar. Subsídios para pesquisa aplicada, fomento a redes de formação técnica e distribuição de sementes editadas com foco na agricultura familiar são algumas das propostas que ganham força entre pesquisadores e movimentos sociais. Sem esse apoio, o risco é que o CRISPR se torne mais uma tecnologia que amplia desigualdades, em vez de reduzi-las.

Exemplos internacionais já mostram que outro caminho é possível. Na Índia, cooperativas agrícolas têm trabalhado com universidades para editar genes de arroz resistente à seca. Em países africanos, o CRISPR está sendo usado para adaptar variedades de mandioca às mudanças climáticas com foco em pequenos agricultores. E na América Latina, redes de extensão rural vêm promovendo oficinas e capacitações para incluir a agricultura familiar no debate sobre biotecnologia. São sinais de que, com vontade política, ciência aberta e inclusão real, a revolução genética pode, sim, alcançar a base da produção alimentar global.

Semente do futuro ou utopia biotecnológica?

A edição genética com CRISPR desponta como uma promessa transformadora para a agricultura mundial — uma ferramenta que, se bem conduzida, pode oferecer soluções para fome, mudanças climáticas e sustentabilidade produtiva. No entanto, o caminho entre o laboratório e o roçado é longo e desigual. Hoje, as oportunidades trazidas por essa revolução genética beneficiam majoritariamente os grandes produtores, enquanto os agricultores familiares permanecem às margens dessa nova era tecnológica.

Colocar os pequenos produtores no centro da inovação não é apenas uma questão de justiça social, mas de estratégia agrícola e alimentar. São eles os principais responsáveis pela produção de alimentos que abastecem os mercados internos e garantem a soberania alimentar do país. Se o Brasil quiser um futuro no qual ciência e inclusão caminhem lado a lado, será preciso investir em políticas públicas que democratizem o acesso ao conhecimento, à tecnologia e à terra — sem esquecer da escuta ativa e do respeito às práticas e saberes locais.

A história da agricultura sempre foi escrita a muitas mãos — ora por pesquisadores em laboratórios, ora por agricultores no campo. A pergunta que se impõe agora é: quem decidirá os rumos da próxima safra genética? O CRISPR pode, sim, ser a semente do futuro. Mas para germinar de forma justa e sustentável, precisará ser plantado com equidade, cultivado com diálogo e colhido por todos.

___________________

Raimundo Sirino Rodrigues Filho. Engenheiro Agrônomo, Pesquisador, Extensionista Rural e Professor Universitário. Graduado em Agronomia (UEMA); MSc. em Engenharia Agrícola – Irrigação e Drenagem (UFV) e DSc. em Agronomia – Solos e Nutrição de Plantas (UFPB).





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