Seja bem-vindo
Bacabal,30/04/2025

  • A +
  • A -

Raimundo Sirino

Agronegócio brasileiro

Os dilemas de uma potência agrícola alimentada por políticas públicas controversas

Crédito: EsBrasil (2025)
Agronegócio brasileiro

O Brasil colhe, ano após ano, safras recordes de soja, milho e carne bovina, consolidando-se como um dos maiores exportadores agrícolas do mundo. Enquanto isso, um relatório recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela que 60% dos subsídios direcionados ao agronegócio brasileiro são classificados como "ineficientes" ou "distorcivos". Essas políticas públicas, que impulsionam o setor responsável por 30% do PIB nacional, estão no centro de um debate que opõe crescimento econômico, desigualdades estruturais e pressões ambientais.

O motor da economia, mas a que custo?

O agronegócio é, sem dúvida, o setor mais dinâmico da economia brasileira. Responsável por metade das exportações do país, ele garante superávits comerciais recorrentes, mesmo em tempos de crise. Programas de crédito rural, como o Plano Agrícola e Pecuário, injetaram R$ 400 bilhões em financiamentos na safra 2024/2025, com taxas de juros subsidiadas. Grandes produtores são os principais beneficiários: apenas 10% deles concentram 80% do crédito disponível, segundo o Banco Central.

No entanto, esse modelo gera contradições. "O Brasil alimenta o mundo, mas não consegue erradicar a fome dentro de suas próprias fronteiras", afirma Maria Silva, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB). Enquanto o país bate recordes de exportação de carne, 15% da população sofre com insegurança alimentar, de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN).


Infraestrutura: o calcanhar de Aquiles

Apesar dos investimentos maciços em produção, o escoamento da safra ainda enfrenta gargalos históricos: estradas precárias, portos congestionados e ferrovias insuficientes. A BR-163, principal rota de escoamento de grãos do Mato Grosso para o porto de Miritituba (PA), é um símbolo desse desafio. Embora 60% de sua extensão esteja agora pavimentada — um avanço em relação aos 40% de alguns anos atrás —, trechos críticos ainda são palco de longos congestionamentos durante a safra.

O governo Lula, em seu terceiro mandato, tenta reverter esse cenário com um pacote de obras estratégicas. Entre as prioridades está a conclusão da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), que ligará Mato Grosso a Goiás, integrando-se à Ferrovia Norte-Sul. Com investimento de R$ 3,5 bilhões, o projeto promete reduzir em 30% o custo do transporte de grãos para os portos de Santos (SP) e Itaqui (MA). Outra aposta é a ampliação da Ferrogrão (EF-170), paralisada por questões judiciais e ambientais, mas considerada vital para escoar a produção do coração do agronegócio até o Arco Norte.

"No passado, o Brasil investiu apenas em rodovias, deixando ferrovias e hidrovias para trás. Estamos corrigindo esse erro", afirma o ministro dos Transportes, Renan Filho. Além das ferrovias, o governo planeja a revitalização de hidrovias, como a Tietê-Paraná, e a modernização de portos como o de Itacoatiara (AM), focado na exportação de grãos pelo Norte.

Parcerias com a China têm tentado sanar essas deficiências. Empresas chinesas financiam a expansão de portos no Norte do país, como o terminal de Barcarena (PA), estratégico para a exportação de soja. Mas especialistas alertam para os riscos geopolíticos. "Há uma dependência crescente do mercado chinês, que hoje compra 70% da soja brasileira", explica Carlos Mendes, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A tensão entre produção e preservação

As políticas públicas para o agronegócio frequentemente colidem com a agenda ambiental. A flexibilização do Código Florestal em 2012 permitiu a regularização de áreas desmatadas ilegalmente, e o desmonte dos órgãos de fiscalização sob governos recentes acelerou a perda de vegetação nativa. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que o Cerrado, bioma vital para o regime de chuvas no país, perdeu 10 mil km² de cobertura vegetal em 2024 — equivalente a 1,4 milhão de campos de futebol.

"O discurso oficial é de que o Brasil alimenta o mundo de forma sustentável, mas a realidade é bem diferente", diz André Lima, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Enquanto isso, a bancada ruralista no Congresso pressiona por mais flexibilizações, argumentando que as regras ambientais "engessam" o setor.

A contradição entre o produtivismo e a preservação se materializa no Cerrado, savana tropical que perde anualmente o equivalente à superfície da Bretanha. Apesar do Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) promovido pelo governo, as isenções concedidas a grandes proprietários de terras no âmbito do Código Florestal (2012) aceleraram o desmatamento. "Estamos diante de um paradoxo: de um lado, tecnologias de ponta em agricultura de precisão; de outro, uma expansão arcaica por meio de desmatamento", analisa André Lima, pesquisador do IPAM.

As pressões internacionais se multiplicam. O acordo UE-Mercosul, paralisado desde 2019, cristaliza essas tensões: Bruxelas exige garantias ambientais que Brasília considera "interferências protecionistas". No entanto, alternativas estão surgindo. No Mato Grosso, alguns fazendeiros adotam sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta, reduzindo em 40% sua pegada de carbono. Mas essas iniciativas permanecem marginais diante do poder do lobby ruralista, que controla 40% do Congresso Nacional.

A equação brasileira resume os desafios globais: como alimentar o planeta sem destruir seus ecossistemas? Com 27% das terras cultiváveis do mundo localizadas no Brasil, suas escolhas políticas repercutem muito além de suas fronteiras. "Sem reforma agrária e transição ecológica, o milagre agrícola brasileiro pode se transformar em pesadelo climático", adverte a ativista Marina Silva, ministra do Meio Ambiente. Um alerta que, na era dos recordes de produção, ainda luta para ser ouvido.

O futuro: entre a tecnologia e a reforma agrária

Algumas iniciativas tentam conciliar produtividade e sustentabilidade. O Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), por exemplo, financia técnicas de recuperação de pastagens e integração lavoura-pecuária-floresta. Startups de agricultura de precisão, apoiadas por fundos públicos, ganham espaço no campo.

Mas para movimentos sociais, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o modelo atual é insustentável. "Precisamos de uma reforma agrária que priorize a agricultura familiar e a agroecologia, não apenas o lucro de grandes corporações", afirma João Pedro Stédile, líder do movimento.

Conclusão: crescimento para quem?

O agronegócio brasileiro é, sem dúvida, um caso de sucesso econômico. Mas as políticas públicas que o sustentam aprofundam desigualdades regionais, concentram riqueza e aceleram a degradação ambiental. Enquanto o governo celebra novos recordes de exportação, a pergunta que fica é: esse modelo é realmente sustentável — ou apenas adia uma crise anunciada?

Crédito da foto: Agência Brasil (2024)

____________________________________

Raimundo Sirino Rodrigues Filho é graduado em Agronomia (UEMA); MSc. em Engenharia Agrícola – Irrigação e Drenagem (UFV) e DSc. em Agronomia – Solos e Nutrição de Plantas (UFPB). É Engenheiro Agrônomo, Pesquisador, Extensionista Rural e Professor Universitário.




COMENTÁRIOS

LEIA TAMBÉM

Buscar

Alterar Local

Anuncie Aqui

Escolha abaixo onde deseja anunciar.

Efetue o Login

Recuperar Senha

Baixe o Nosso Aplicativo!

Tenha todas as novidades na palma da sua mão.